sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

2002 razões


Diante da eternidade do que hoje é finito, cabem-nos os risos de três períodos vividos, grifados em vinte e duas faces de berços diferentes, no entanto filhos de um mesmo cômodo, com um quadro, e mesas monotonamente verde-saudade. Trazem um peso quase invisível, que newtons não poderiam medir nenhum atrito resultante, ou qualquer força contrária aos bons dias utilmente inúteis encaixados no lado esquerdo do peito de vinte e dois suspiros chorados, em lágrimas ou não.
Se vovô viu a uva, diz a rainha do português, sejam todos os dias como sábado e domingo, e dia de campanha política pró-fessor, que estuda a terra em geometamorfoses, entretanto, com cui-da-do, porque a história quem molda somos nós. Hoje, que o tempo é passado, todos os dias ficam como manhãs de formação, e todos os estojos em ar-condicionados, e todos os esporros em papéis assinados por pais que, sem perceber, geraram membros de uma sala, com dois mil e duas razões para ter o título de "mais babaca", porém de mais feliz.
Não é saudade, é lembrança. Saudade só é saudade quando não se é mais criança.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Seis anos

     Me pergunte de mim. Não tenho muitas palavras. Não. Mas sei lá. Não sei explicar. Acabaram os versos que eu guardei para recitar de noite. Não eram tão bons assim. Me senti mal depois de tudo o que aconteceu. Estou com marcas que você deixou. Não consigo dormir hoje. Mordeu-me bem no ponto dor, e chorei, até sair o nó da garganta. Você me feriu. Ou foi ao contrário?
      Não. Eu só me importo contigo. Foi só saudade de um futuro de seis anos. Daqui até lá? Tempo vívido. Vivido. Mais curativo, preciso agora estancar essa saudade. Apressar nunca é bom. Na nuca então, descasca mais uma cebola para fingir que é falso. Só eu sei o que é. Bonito é achar lindo essa hora pontiaguda. Não vale fingir. O vento bate, e dá arrepio. Mas foi o vento, ou apenas saudade daquele dia, seis anos para frente? O tempo estanca. Mas parece que o tempo estaca. Deve ser isso.
      Bem no peito da nuca, e arrepia de novo. Incinera essa saudade. Está longe. Demais. De mim. Pinta com cal por cima, para ver se disfarça. Alto relevo não dá. Passa outra camada. Até sumir. Bem no ponto dor. Facada. Bom é que o branco é quase ilusão de ótica. Mas a sombra é intocável. Marcou para sempre. Ou melhor, marcará para sempre. O ar é mais leve sem esse chumbo todo. Leva de mim esse cálice. É muito pesado. Sempre quis me livrar do passado. Mas amarrotou minha história, e o que me resta é nada além de migalhas comidas de um futuro distante de seis anos, que eu peguei de gula, mas me arrependo de ter botado a mão tão longe. Nunca vou esquecer do dia em que sonhei com o futuro. É visão? Não. Reflexo instintivo. Nada além disso.
      Mas podia ser rebobinado. Está tarde demais para voltar atrás. Seis anos para frente eu posso pensar assim. Mas hoje, hoje é um momento irrepreensível, ficou para a galeria das memórias. Quanto a você, pinte de cal, se quiser. Mas é quase impossível que queira. Lembro do seu sorriso quando fecho as pálpebras. Aquele de hoje, e o de seis anos para a frente. São os mesmos. Muda o tempo e o espaço, mas a constante S é eterna, junto com a beleza que carrega dos ombros para cima, e para baixo. A beleza está nos olhos de quem vê. E no coração de quem ama. Essa frescura antirruga me dói a alma. Quero ficar velho com alguém ao meu lado. Chorar sua morte e ser chorado também. Ser eternizado num momento de seis anos para frente. E mais doze, dezoito, vinte e quatro, trinta, e eterno.
      Me pergunte novamente de mim. Não sei. Tenho muitas coisas a dizer. Falo por mim mesmo. O tempo fez-me bem. E ele só faz bem. Para os sábios, as rugas trazem felicidade, e não arrependimento. Netos com sobrenome renomado no livro do recorde que é único. Um só lugar, uma só nação, uma só noção.

A rosa dos ventos

Um sorriso discreto no canto da boca
Uma verdade que é para ser eterna
''você está linda porque é linda''
exclamam os dentes brancos e pálidos.
nunca pensei que iria tão longe,
mas as gotas caem,
e a água não apaga,
não tem como apagar!
O Fim é certo, mas para nós,
é terra distante.

Superando os medos de cada dia
e as vontades escuras e musculosas
vamos indo, em frente,
que é o nosso lugar,
Do lado do certo
da verdade
Definitivamente
definida.
E a definição
é retorcida
será?
será.

Se não for,
uma gota doce de repreensão virá delicadamente
tocar os olhos amargos de cegueira noturna
e veria mais que os meus olhos encaroçados
O que o Norte aponta
e os pés que andam
na rosa dos ventos
seriam fingidos
Os tempos
das unhas que crescem
da pele que enruga
a manta que cai
Mas isso,
eu duvido.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dez e sete

Cabe no bolso da calça
A chave de casa, a lembrança
de Ontem, da foto que eu tirei
Sim, sem perceber,
Segredo, mas
Não lembrei dela

Sabe, queria mais tempo
de ver-te,
não lembrei das fotos,
rasgaram, preciso de novas
novidades
Ideias de romance
queria duas
Uma para mim,
outra para você,
que está precisando.

Tavez mais uma
Para um terceiro estado
Tranca no bolso, Junto com a chave,
e a foto está rasgada
em sete pedaços iguais
Eu quis guardá-los separados.
a lembrança é assim,
fragmentos,
troços foscos
memórias é passado
E não há festim
que costure o rasgado.
Memórias de mim
um vaso quebrado
dois vasos quebrados
Três
Quatro,
Oito.
Dez
e sete.


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Meu canto

Não tenhas medo,
Se o seu coração titubeia,
Não é erro de cordel,
Nem mal de sangue e veia

Fagulhas doutro bem queimam
Na terra onde um é rei
Criança que esconde a tez,
Não vanguarde o seu poema

Escuta o silêncio do meu choro
Ele te diz, nossa verdade,
É a mesma Dele
Lembra-te
O que ama não desama
O que cria não destrói
Amplia
Pinta
Monta
E exibe com orgulho
A história de borboletas
Que deu o nó nas pontas
Os pingos nos is
Cegou os monstros
Lavou os risos,
E os nossos corações.

Esse é o meu canto
o canto que eu canto,
Em cores nunca pretas.

Nessa água sem lama
Na melodia que se lava em pranto,
O meu canto tem sete letras:
Segredo.

Rodrigo Aylmer

Secura

Espessas certezas de mel
Docemente amarguradas
Que nunca sequem as suas fontes
E sejam profundas as suas marcas

Me finco em ganchos de aço puro
Beirando o medo de perder
O fogo da busca da eterna cura
A chance de em vida o meu sangue verter

Dê-me o prazer de olhá-las eternas
No presente e sempre adiante
Ganhe forças com as minhas rugas
Pinte meu cabelo de branco,
Transparente
Que não faltem águas para te regar
E na sede, beba o meu sangue,
Beba o sangue meu
Que a certeza vive sem o homem,
Mas pensar que vivo sem a certeza,
Não eu.

Rodrigo Aylmer

Vi

Criei um novo mundo meu
Fugi do sonho,
Perdi meus poemas
E ainda mais, mudei para igual

Pensei que era demais
Mas não,
Inda durmo na mesma fronha
Escuto a mesma música tema
Canto o mesmo musical

Depois que fui,
Eu fui
Tentei largar o que era meu
Gritei mais alto que a minha voz
Tropecei no vento
E ri
Caí na piada que eu mesmo contei
A alegria que cabe em nós
Ela eu vou vivendo
E quando eu ver,
Vi.

Rodrigo Aylmer

Comente

Silêncio.
Comente comente,
ou não comente.

Rodrigo Aylmer

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O vaso de vidro

      Quando eu olho pro lado tem esse vaso. De vidro. Transparente. Redondo. Fica ali distante, não alcanço com os meus braços. Não tem nada dentro. Não é nada, na verdade, não tem significado nenhum, é um vaso, ora, um vaso comum. Não tem nada de mais. Mas é estranho. Não tem lado nenhum. E está me olhando. Um vaso me olhando. Me encarando. Perguntei pro meu irmão se parecia que o vaso estava me encarando, mas ele disse que não. Ainda assim, acho que o vaso está me encarando.
      Virei pro lado duas vezes, desvirei, e ele continua me olhando. Por que o vaso está me encarando? Não tem vida, nem cheiro, nem cor tem, é um pedaço de nada, areia derretida e fundida num formato cilíndrico. Poderia até servir pra um propósito, se estivesse com uma flor dentro, um peixe, ou alguma bala. Mas não tem nada. Me pergunto agora porque a empregada colocou ele ali, seco e sem vida, nesse criado-mudo branco sem nada. Só o maldito vaso de vidro que insiste em me encarar.
      Eu já perdi a paciência, e se o vaso tivesse paciência, também já a teria como perdida. Eu não vejo propósito algum nesse vaso. Não tem  motivo de existir. Seria melhor quebrá-lo e jogá-lo fora. Será? Eu vou me cortar. Então deixa ele lá. Talvez o Atlas caia da prateleira e faça esse favor pra mim. O que fazer então com o vaso? Não sei o que se faz com alquilo que não tem propósito. Sei que se fosse gente já estaria na rua pedindo esmola. Mas é um vaso. Vidro. Caco. A única grandeza que ele ocupa é o espaço. O maldito vaso que me tirou a paz da noite. Já vi que estou perdendo meu tempo olhando pro vaso. Perdendo nada, ele que está roubando de mim, meu tempo, meu sono, meu descanso, não aguento mais essa tortura. Acho que vou dormir. Deixa esse vaso quieto. Não serve pra nada mesmo. Quem sabe um dia ele tome vergonha, e vá fazer alguma coisa de útil na vida? Afinal, vida é uma, e tempo passado é tempo perdido. Até para um vaso de vidro.

Rodrigo Aylmer
     

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Matéria abstrata

Esperar,
Esperança.
Consolo dos fracos.

O que é?
De nada vale, pois do nada veio
E se for verdade,
Se é,
Do que é?
Inpalpável
Abstrato
É como a verdade
Cada um tem a sua
Verdade,
Não é mentira.
Acredita, meu filho,
Se apegue a ela
Vocês nunca vão ter nada na vida
Porque no final,
Tudo vira pó,
E do pó, matéria solta.
Tudo acaba em nada
E quando o chega o nada
O nada vira tudo
E vem a esperança,
Que ali mora,
Sempre morou,
Ela vem,
Se prende,
Se funde,
E vira um só,
Pó,
Tudo,
Nada.

Rodrigo Aylmer

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Verbo Conjugado

Vai, pega essa caneta
Começa a escrever seu testamento
Vai, velho,
Como se fosse dar tempo de terminar
Assina no meio,
Deixa o resto que não importa
Lave as suas mãos e parta
Vai embora
Encontra tua felicidade que há muito se foi
E há muito virá de ser
Será?
Ser
Irá, porque esse verbo perdeu o tempo há muito tempo
Há todo tempo, aliás
Não é infinitivo, nem passado, nem futuro
É eterno
Esse é o verbo em que todos se conjugam
Esse é aquele, você, e o outro
Esse somos todos
Eternos,
Reticências do tempo
Ordem divina
De ser,
De estar,
De haver,
Haja o que houver.

Rodrigo Aylmer

sábado, 6 de outubro de 2012

Vai e volta

Amor, não se vá
Sentirei sua falta
Te ver tornou-se vital
Quando tu vais,
Respiro mais devagar
Os meus pulmões se fundem
Drena-se o calor do meu corpo
E nascem escamas em minha pele
Eu viro um reptil,
Sangue frio,
Uma especie de ser inanimado
Que se esquiva de tudo
Que segue o seu caminho
Esperando algum dia o sol luzir
E aquecer meu corpo
Que aliás, meu bem,
Encolhe

Ainda que vás, amor,
E sei que deves,
E queres,
Lembra-te de mim,
Que eu estou esperando,
De peito estufado
Mas de braços abertos.
Quero que vás,
Mas que voltes.

Rodrigo Aylmer

domingo, 30 de setembro de 2012

O Poema ou a Carta?

Nesses dias me entrentive
E mergulhei numa dúvida cruel:
Devo escrever-te um poema,
Ou uma carta?
Moça, digo que hesitei,
Pensei sete vezes
Pensei mil
Fiz rascunhos e rascunhos
Até minha caneta se encheu de mim
Meus dedos, calejados de tanto escrever
Clamam por misericórdia
E os meus olhos inchados de sono
Se fecham junto com as minhas forças

Moça, me perguntei mil vezes:
Escrevo-te um poema,
Ou uma carta?
Foquei na dúvida
Gastei horas, digo, dias no ócio
Sem saber a resposta
E ninguém soube me dizer
Ninguém nunca saberá
Se devo escrever um poema,
Ou uma carta

Moça, não me julgues insano
É uma questão complicada de desvendar
Pois o poema é a alma que fala
E a carta, os dedos, a forma
Mas ainda não sei, moça, o que te entrego:
A carta, que virá,
Ou o poema, que agora terminei?

Rodrigo Aylmer

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guri

Sai de casa guri!
Quem te quer?
Quem se importa?
Você não é nada
É um peso
Um desgosto
Um quilo a mais de dor
Se você virar moleque de rua,
Dane-se
Não me importo
O seu choro não passa de um burburinho
É vago
Depois do que você fez
E eu não falo do dia do seu parto
Eu falo do dia em que você mudou
Me agrediu
Você é um calo para mim
Sai daqui, guri,
Você não é nada,
Uma sósia de mim
E nós bem sabemos
Que essa mente é pequena demais
Para nós dois


Rodrigo Aylmer

Lembrança

Eu vivo porque já morri
E a minha morte gerou minha vida
O ontem, já morreu
É memória
Foi memória
Foi lembrada
Só que já esqueci

Já esqueci que fui criança
Já esqueci que fui belo
Esqueci que sou jovem
Não sou mais quem eu era
Tudo muda,
Tudo vira,
Deixei de lado o pseudo que fui
Não sou mais eu

Abri mão do meu passado
Para me iludir num presente
Ora, se o passado é morte
E o presente, uma vírgula,
O que se vive, é morte?
Não sei.
Não me importa
Tá bom assim,
Tenho minha casa,
Minha cama,
Meu lençol,
Meu amor.
É tudo ilusão,
Mas é meu.
Afinal,
Não é isso do que se trata?

Rodrigo Aylmer

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Amanhã é nunca

Chega de ficar fingindo
Vamos seguir em frente
Vamos viver o que é pra viver
Vamos curtir
Vamos ser o que somos
Iremos sair pelas ruas
Fazer passeatas
Greves, revoltas, mudanças
Vamos mudar a sociedade
Aprender outras línguas,
Ir para Paris, Londres,
Saltar de paraquedas
Vamos fazer o maior bolo do mundo
Criar formas, dialetos
Novos nomes, novas teorias
Vamos ir para Marte
Ser astronautas
Vamos ganhar prêmios
Escrever livros
Criar peças.
Vamos viver logo,
Porque hoje não é ontem ainda
E o amanhã é apenas uma hipótese.

Rodrigo Aylmer

Sabia

Ó pai,
Como posso ter paz
Aonde não a vejo?
Não tenho paz,
Por pensar.
Feliz é o parvo
Que não sabe o que ganha o sendo
Não tenho paz porque penso
E existo
Penso demais
Passa do limite
Passa do teto
Passa de mim.
Ó pai,
Como posso ter paz se penso?
Me torno chato e insistente
Não aceito o que vem de fora.
Não cabe no meu bolso
Não aceito o que não sei
Mesmo que belo
Mesmo que lindo
É novo
E em plena idade
Me torno rabugento
E cinza
Como um velho sem futuro
Ó pai,
Como posso ter paz
Se penso?

Rodrigo Aylmer

Amor

O amor é um mar de rosas
E rosas tem espinhos
Mais espinhos do que pétalas.
Mas se ninguém gostasse,
Não haveria
E seria um talo seco
Que se vê todo dia

Rodrigo Aylmer

Ser há

Será que algum ser há
Nessa carne que me leva?
Nessa carne que me treva
É tudo carne,
É tudo a mesma coisa
E Eu ainda não respondi
Porque não sei se há resposta:
Será que algum ser há?

Rodrigo Aylmer

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Santa Verdade

Quem ama depende do outro
Depende do sorriso
Depende do abrigo
Depende do que falta
Depende do que sobra
Dependo dos amigos
Depende da alegria
Depende de todo o dia
Dependo das flores
Depende do que molha
Dependo do que seca
Depende da risada
Dependo da cantata
Dependo dos beliscos
Dependo do seus olhos
Depende do seu jeito
Depende de você
Desprende de você
Dependo do nosso gosto
Depende de nós dois
Dependo de nós dois.

Rodrigo Aylmer

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A nossa Esperança

Hoje me coube a dor de uma verdade mentida, do jeito que é escrito. Conhece elas? Pois é de se esperar, já que são mentidas. Mas mentidas por quê? Por serem verdade. E é por ai que o paradoxo gira, já que verdade e mentira são coisas opostas. Mas o erro é pensar que elas se opoem, por serem opostas. O fato de serem opostas só tornam as coisas mais interessantes. Faz com que a sua coligação torne-se mais dificil, e, porque é dificil, desperta a avidez do cêrebro humano, da sua potridão, do hûmus que insiste em tentar fazer essa terra infértil e improdutiva gerar algum fruto que alegre o paladar dos ouvidos. Mas essa é uma realidade nem sempre vivida, mas sempre observada, já que o mal da humanidade é não enchergar a trave que habita reluzente na frente dos nossos olhos, e que mal vêem.
Peço que não me peçam para dizer do que se trata. Será que posso dizer o que é? Sim, e creio que também devo. Mas a avidez da maldade humana ainda não conseguiu devorar a minha bondade, uma das poucas coisas que restaram em mim da beleza da criação. Por isso, não me pronuncio. Não digo verbo algum que especifique ou entregue o pobre coitado, que era pra ser um braço, mas acabou tornando se uma espécie de tumor, cuja única dor é olhar e ver o erro que ele mesmo escolheu escolher. Digo também que sobre mim uma nuvem de cochichos ecoa, com sons altos e atordoantes, trovões, como em forma de desconsolo e ingratidão. Os meus dois lados trocam tapas e socos e chutes, querendo vencer a luta pelo que seria designada pela palavra "atitude". Minha atitude. No entanto eu creio que nenhuma das minhas duas faces vai ganhar, vão acabar mortas, e o seu sangue, que foi derramado no campo de batalha, escoa, pra dentro da minha memória -que é de onde vieram- e acabam por cair nas minhas veias e artérias, onde se juntam e formam uma mistura homogênea, que enche o meu corpo de cor e melancolia. Ninguém consegue tudo o que quer. E ninguém quer tudo o que consegue. Penso que as vezes o acaso, não, a sorte, não, aquilo que explica o inexplicável, joga ao acaso a sorte (assim chamarei) de uns poucos contados à dedo, aqueles que a vida parece ir muito bem, embora não vai. Mas a sorte se importa com a aparência, assim como todos os seres viventes, assim como o seu igual, assim como o mundo. Afinal, sobrevive o mais apto, não ao ambiente em que se vive, como o frio ou o calor, mas à maldade que paira sobre a superfície da terra desde o dia em que a fome do homem o levou ao fruto que mudou -ou apenas começou- a história do homem. E nem uma maquina poderá reverter o dano já causado, o erro já feito, ou o choro já chorado. Na causa humana, só resta chorar, e esperar que algum dia amanheça diferente, com uma aurora mais amarela, uma esperança mais bela, ou algum milagre para lavar as nossas feridas que nunca saram. Algumas sim, mas sempre deixam rastro, como pegadas na areia, lembranças de algo que doeu, ainda dói, mas um dia doerá menos, e essa é a nossa esperança.

Rodrigo Aylmer

domingo, 2 de setembro de 2012

Pouco Tempo

Não se culpe pelo seu tempo
São os anos que têm poucos dias
E os dias têm poucas horas
E as horas poucos minutos
E os minutos, poucos segundos

As festas, poucos amigos
Os enterros, poucas lágrimas
E as lágrimas, pouco choro
As conversas, poucas palavras
As palavras, poucas letras
As letras, poucos sentidos
As familias, poucos amigos
O céu, poucas estrelas
A dor, poucas mágoas.
Não se culpe pelo seu tempo
É o tempo que tem pouco tempo.

Rodrigo Aylmer

terça-feira, 14 de agosto de 2012

As suas, as minhas dores

Embora a dor sentida seja grande, não é de vosso maior interesse as lástimas de um menino simples. Porém, teimo eu em dizer algumas palavras, que podem ser grandiosas, belas, ou podem ser o caminho oposto. Não tenho como dizer. Diga quem lê.
Falávamos sobre dores. E são elas (eram) grandes. Embora o leito quente, e a comida na mesa, é saber de todos que a dor tira o prazer do conforto. E a cada dia aumenta (elas, as dores). Mas não por isso minha garganta fecha, e o meu texto cessa. Digo-lhes que muito pelo contrário, a dor abre as portas da alma, e faz emanar sinceridade assim como dos olhos arrependidos brotam lágrimas de alegria. E é ela, a dor, que também sofre conosco. Afinal, é dor, e dor é dor em qualquer lugar que procurares.
Mas o espaço que fica entre a dor e a cura é o que constrange os que perguntam. Será que aprendem? Será que crescem? Mudam? Choram? Desistem? Digo que não é uma ciência exata. Questionam os leitores se me qualifico para dizer palavras sobre um tema tão individual. A verdade é que não. Mas já vivi dores fortes, que arrancaram-me lágrimas como chuva, e já vi entes sofrerem, como nunca vi antes. De mesma forma, continuo não qualificado para escrever esse texto. Porém, se ninguém o escreveu até hoje, irei escrevê-lo assim mesmo.
Como dizia, dores. São elas que movem esse mundo. Triste? Verdade. Escravidão? Tortura? Claro que move-se também pelo medo. Mas se for pensar, o medo, independente do que seja, é medo da dor. O funcionário trabalha porque tem medo de perder o emprego. Porque tem medo? Porque se perder o emprego, vai sofrer de fome, não vai ter casa, seu filho vai sentir dor de fome, de sede. O homem que tem sua mulher refém faz tudo o que o homem que a fez refém pede, porque tem medo de perder o seu amor. Ele tem medo da dor da solidão, da saudade. Então se rende como um animal aos comandos daquele que agora o possui. Quem nunca viu um filme assim? Claro que tem a virada espetacular, o final feliz, porque a maioria das pessoas (pelo menos as que eu conheço) gostam de finais felizes. Mas nem sempre acontece assim.
E aquele que já perdeu tudo? Aquele que já está na dor? O homem que perdeu tudo, não falo só de casa, família, e gêneros parecidos, mas também seus valores, sua ética, e sua direção, esse homem não tem nada a perder. Então faz atos insanos, se joga da ponte, se mata, se droga, vira ladrão, assaltante... Não são todos assim, pois é difícil encontrar uma verdade absoluta nesses dias modernos, mas os que fazem, uma boa parte, pensam que uma nova dor vai tirar a dor da dor antiga. Não entendeu? Pense assim: você furou seu dedo da mão com um espinho. Aí então você pensa:" se eu furar o meu dedo do pé com outro espinho, a dor do dedo da mão vai passar". É mais ou menos nesse ramo. Só que mal sabem que furar o outro dedo só trará mais dor.
Trazendo pro sentido real, tais indivíduos pensam que as coisas erradas que eles fazem irão tirar a tristeza e a dor que habita no corpo deles. E tem duas coisas que pioram esse processo. A primeira é que eles não sabem que essas coisas são erradas, porque perderam o seu senso, a sua bússola que indica o certo e o errado (e acontece que na maioria das pessoas essa bússola não é muito precisa). A segunda é que todo e qualquer ser humano na terra tem e sempre terá uma carência de algo maior, para completar um pedaço que falta na alma, um vácuo, uma sede que ninguém sabe explicar o por quê. Uns dizem que essa sede se mata numa fonte, o outro afirma que é naquela outra, e a verdade é que as pessoas não sabem onde procurar essa satisfação. Não posso ser hegemônico e dizer que é em tal lugar, que pra mim é, e pra muitos amigos também. Mas o assunto não é "as fontes de saciação da alma". Falávamos do homem. Voltemos a ele.
Dizia que o homem tem duas falhas. A primeira é não ter juízo para definir certo e errado. A segunda é a que eu vou chamar, mesmo sendo cliche, a " sede da alma ". Esse homem na verdade tem apenas uma escolha: não ter escolha. Parece complexo, mas é verdade. À medida que crescemos, pensamos que fazer o que quisermos é ser livre, poder ter escolha. Mas a verdade se vê concisa: quanto mais livres pensamos que somos, mas presos somos. Enquanto que ao mais " presos " ficamos, mais livres somos. E eu puz presos entre aspas porque não significa que iremos para Bangu 2, significa que temos a liberdade de dizer não. E o mais estranho é que na verdade, a liberdade, o livre arbítrio é a habilidade de dizer o não ao invés do sim. E a prisão é o nunca dizer não. Não digo isso por vida vivida, mas pelo que vejo apenas ao olhar pela janela do meu quarto.
E o leitor deve estar pensando: aonde esse maluco quer chegar falando disso tudo? A conclusão é difícil, após abrir um leque tão grande. Mas eu falo da liberdade e da prisão por causa da dor, que está sempre presente na terra em que pisamos. A "liberdade" abre você ao mundo, de peito, e você mergulha num mar de espinhos. Depois que se joga nele dói, aí você chora. Depois que chora, enfia-se com mais afinco, até seu sangue incomodar alguém e você se tocar que seu lugar não é aí, no espinho. Tem gente que gosta do veneno. Tem gente que gosta da dor. E é comum. Não goste da dor. Pois onde há dor, haverá sempre dor, e nada mais. Se desfinque da tua cruz, e larga no chão. Hoje. Agora. Larga teus problemas e chora. De preferência num ombro amigo. Porque assim como o melhor remédio para o amor é o beijo, o melhor remédio para a dor é o choro.

Rodrigo Aylmer

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Moça da Cidade

A oportunidade é como a chuva
Que nem sempre é aproveitada
Embora caia pela terra, pura,
Na cidade vira poça
No campo vira verde,
Vida,
E a moça da cidade
Chora de saudade
Da oportunidade que não podia ser perdida,
Mas perdeu.
Se lamenta ter perdido a chance,
(A pobre moça da cidade)
De viver a vida vivida


Rodrigo Aylmer

sábado, 21 de julho de 2012

Um lembrete

Antes de tudo, deixe-me dizer que faz falta, muita. Cabe a ti dizer o quanto queres que seja, mas aqui, no fundo, é o mesmo sentimento de saudade. Estar aqui, bem perto ao mundo, e nao estar em casa, com o meu mundo, é estar incompleto, pedindo para que o sonho ponha-nos juntos, pelo menos quando fecho os olhos. Cabe a mim sentir a sua falta, assim como coube-me a sede de escrever-lhe algo, mesmo que seja um simples lembrete, como esse. Mas a ti, princesa, a ti cabe apenas esperar, que o tempo passa assim como passou o tempo antes de nós dois. Pense também se faço falta, pois é ela quem faz arder o fogo de um reencontro, e a paixão de um beijo. Sabes assim que o que sinto é verdadeiro, e que cada dia que passa me faz gostar mais de você. Isso sim lhe cabe. Deixo assim como está, só que mais belo, embora distante. Rodrigo Aylmer

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A Última Esperança

A Esperança é a última
que morre
Nessa vida dura,
que morre
Debaixo dessa terra dura,
que morre
Presa da vida,
que morre
Presa da Esperança,
que morre
Da terra sem esperança,
que morre
Castigada pela terra,
que morre
Mastigada pela terra,
que morre
Vida seca de vida,
que morre
Um choro seco de vida,
que mata
Da gota seca de água,
que falta
Da planta seca de planta,
que morre
Da vida fria sem manta,
que morre
A Esperança é a última.


Rodrigo Aylmer

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Maior Felicidade

Manhã que não se muda
A luz que tu expressas
Ri, da minha cegueira,
Ingrata brincadeira!
A mim, nem que me peças
Não te darei a minha mão,
Agua passageira.
Ficarás com o meu coração,
E saiba que são verdadeiras
Lágrimas dos olhos que não viam,
Ingrata brincadeira,
que enXergaram depois que te viram.


Rodrigo Aylmer

quarta-feira, 25 de abril de 2012

No Fim das Contas

No fim das contas,
Restam as pontas.
Apenas lembranças, doces que são
Palavras ditas,
Palavras escondidas, tímidas
Sorrisos velhos,
Telhados velhos,
As mesmas pessoas sonsas.
Os mesmos sonhos sonhados,
Os mesmos contos contados,
As mesmas piadas tontas.
No fim das contas,
Restam as pontas.


Rodrigo Aylmer

sábado, 24 de março de 2012

Domingo à tarde

    - Seu Osório não era do exército. Ele foi um marinheiro, elegante, nos conhecemos na década de trinta, disse a senhora
    - Mas ele também não quis saber da senhora né, Dona Rose?
    - Sim, mas a mãe dele já era idosa e o pai falecido. Era filho único. Não tinha tempo para ficar de namoricos.
    - Entendo... Faltava dificuldade naquela época né não?-Disse a ingênua ajudante
      Se fez um silêncio mórbido. A senhora fechou os olhos por um instante. Da minha janela não podia dizer o que se passava na mente daquela senhora. Era apenas uma senhora como todas as outras, de cabelos tão alvos que se escondiam no rosto pálido da moça que há muito fora jovem.
    - Vou pegar seu remédio- disse a ajudante. O relógio do meu quarto marcava seis. O por-do-sol apenas deixava um resquício de luz no horizonte enquanto no céu começavam a aparecer as primeiras estrelas.
      A senhora tomou seu remédio.
    - Esse é de quê? Perguntou Dona Rose.
    - Do coração, disse a ajudante. Havia aproveitado a oportunidade de pegar o remédio para acender as luzes da casa, enquanto ambas permaneciam na varanda, em escuridão. O único motivo pelo qual eu ainda podia vê-las era o poste da rua. A lâmpada incandescente deixava sobre elas uma cor amarelada e escura, como antes havia dito.
      E não podia dizer, mas parecia que a senhora ainda estava de olhos fechados. A ajudante mais uma vez a deixara só. Ela estava parada, em sua cadeira de balanço que incrivelmente não rangia. Foi quando abriu seus olhos e virou seu rosto para a direção do poste. Pude claramente vê-lo. Era o rosto de uma jovem, escondido debaixo de anos e rugas, de conquistas e derrotas, de amores e amores. Era o rosto de uma mulher feliz.
      Ela sabia quem ela era. Sabia que tomava remédios, e não poucos, diariamente. Sabia que estava numa idade que nem todos têm a oportunidade de chegar. Sabia que, para ela, a manhã seguinte poderia não vir. Mas era feliz por saber que estava ali, em sua varanda, como de costume nos domingos à tarde. Para ela, não tinha alegria maior.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Mera Existência

Se bastasse a vida,
                    Não existiria a ALEGRIA
Se bastasse a alegria,
                    Não existiria o SORRISO
Se bastasse o sorriso,
                    Não existiria o ABRAÇO
Se bastasse  abraço,
                    Não existiria o BEIJO
Se bastasse o beijo,
                    Não existiria o AMOR
Se bastasse o amor,
                    Não existiria o SACRIFÍCIO



Rodrigo Aylmer
 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Maia

      Nem se valesse todo o esforço contra o tempo. Já havia acontecido, e ninguém sabe ainda como reverter aquilo o que mais tememos.
      Nem se valesse todos os gritos, todas as frases exclamadas com tanta dor, todo desespero que me fez pela primeira vez em algum tempo não saber o que fazer. Se era apenas a tranca do tempo, esperando a chave da morte para abrir aquela pequena porta, a pequena porta que ela era, não tem mais importância agora. Pra mim apenas parece a maldade do descuido arrancando cada raiz que havia se formado em cada coração dessa casa.
      Nem se valesse todo o socorro que minhas mãos pudessem dar. Ou as de quem fosse, como disse, ninguém aprendeu a esquivar da morte ainda. e eu creio que nunca aprenderão. O máximo que podemos ter é a ilusão de soberania, a ilusão de que nada vai acabar, a ilusão de que tudo é eterno. Como se o tempo não viesse levar tudo o que temos.
      Nem se valessem as lembranças. As histórias que deixaram de acontecer, os carinhos que eu deixei de dar, o amor que não foi suficiente. E agora, como se não bastasse, ainda reside em mim o remorso de saber que eu poderia ter feito alguma coisa. Como se a dor fosse pouca.
Nem se eu tivesse todo o cuidado. É estranho e doloroso sofrer tantas perdas em tão pouco tempo. Cada vez mais amolece meu coração de pedra que se recusa a chorar. A tristeza de ter segurado aquele pequeno corpo, parado, e não saber a resposta certa para aquela situação única, não sobrepõe a certeza do final. Mas o que mais corrói por dentro é que eu sabia que a cachorra iria morrer.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Humanos

As pessoas pelas ruas
Com suas preocupações
Suas dores, suas marcas
E suas aflições
Se escondem
Nas sombras dos muros de sangue

E então vão vivendo,
Sem se importar
Com uma adaga na língua
A desfarelar
Os sonhos
Dos que ainda sabem sonhar

Elas vivem como nós
E andam como nós
E respiram como eu respiro
E choram como você chora
Mas o inaceitável é
Que elas somos nós

Nós, que vivemos
E também sonhamos
Sofremos e perdemos
Mas também ganhamos
Nossos planos não vão acabar

Mas também nós, humanos
Nos preocupamos, e nos escondemos
Erramos e desfarelamos,
Com nossas próprias línguas, e dedos
Nós,
Humanos que somos
ou que fomos

Humanos que erramos,
E mentimos,
E erramos,
E estamos rindo
Humanos
Como todos
Capazes
De perdoar
E pedir perdão


Rodrigo Aylmer