domingo, 30 de setembro de 2012

O Poema ou a Carta?

Nesses dias me entrentive
E mergulhei numa dúvida cruel:
Devo escrever-te um poema,
Ou uma carta?
Moça, digo que hesitei,
Pensei sete vezes
Pensei mil
Fiz rascunhos e rascunhos
Até minha caneta se encheu de mim
Meus dedos, calejados de tanto escrever
Clamam por misericórdia
E os meus olhos inchados de sono
Se fecham junto com as minhas forças

Moça, me perguntei mil vezes:
Escrevo-te um poema,
Ou uma carta?
Foquei na dúvida
Gastei horas, digo, dias no ócio
Sem saber a resposta
E ninguém soube me dizer
Ninguém nunca saberá
Se devo escrever um poema,
Ou uma carta

Moça, não me julgues insano
É uma questão complicada de desvendar
Pois o poema é a alma que fala
E a carta, os dedos, a forma
Mas ainda não sei, moça, o que te entrego:
A carta, que virá,
Ou o poema, que agora terminei?

Rodrigo Aylmer

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guri

Sai de casa guri!
Quem te quer?
Quem se importa?
Você não é nada
É um peso
Um desgosto
Um quilo a mais de dor
Se você virar moleque de rua,
Dane-se
Não me importo
O seu choro não passa de um burburinho
É vago
Depois do que você fez
E eu não falo do dia do seu parto
Eu falo do dia em que você mudou
Me agrediu
Você é um calo para mim
Sai daqui, guri,
Você não é nada,
Uma sósia de mim
E nós bem sabemos
Que essa mente é pequena demais
Para nós dois


Rodrigo Aylmer

Lembrança

Eu vivo porque já morri
E a minha morte gerou minha vida
O ontem, já morreu
É memória
Foi memória
Foi lembrada
Só que já esqueci

Já esqueci que fui criança
Já esqueci que fui belo
Esqueci que sou jovem
Não sou mais quem eu era
Tudo muda,
Tudo vira,
Deixei de lado o pseudo que fui
Não sou mais eu

Abri mão do meu passado
Para me iludir num presente
Ora, se o passado é morte
E o presente, uma vírgula,
O que se vive, é morte?
Não sei.
Não me importa
Tá bom assim,
Tenho minha casa,
Minha cama,
Meu lençol,
Meu amor.
É tudo ilusão,
Mas é meu.
Afinal,
Não é isso do que se trata?

Rodrigo Aylmer

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Amanhã é nunca

Chega de ficar fingindo
Vamos seguir em frente
Vamos viver o que é pra viver
Vamos curtir
Vamos ser o que somos
Iremos sair pelas ruas
Fazer passeatas
Greves, revoltas, mudanças
Vamos mudar a sociedade
Aprender outras línguas,
Ir para Paris, Londres,
Saltar de paraquedas
Vamos fazer o maior bolo do mundo
Criar formas, dialetos
Novos nomes, novas teorias
Vamos ir para Marte
Ser astronautas
Vamos ganhar prêmios
Escrever livros
Criar peças.
Vamos viver logo,
Porque hoje não é ontem ainda
E o amanhã é apenas uma hipótese.

Rodrigo Aylmer

Sabia

Ó pai,
Como posso ter paz
Aonde não a vejo?
Não tenho paz,
Por pensar.
Feliz é o parvo
Que não sabe o que ganha o sendo
Não tenho paz porque penso
E existo
Penso demais
Passa do limite
Passa do teto
Passa de mim.
Ó pai,
Como posso ter paz se penso?
Me torno chato e insistente
Não aceito o que vem de fora.
Não cabe no meu bolso
Não aceito o que não sei
Mesmo que belo
Mesmo que lindo
É novo
E em plena idade
Me torno rabugento
E cinza
Como um velho sem futuro
Ó pai,
Como posso ter paz
Se penso?

Rodrigo Aylmer

Amor

O amor é um mar de rosas
E rosas tem espinhos
Mais espinhos do que pétalas.
Mas se ninguém gostasse,
Não haveria
E seria um talo seco
Que se vê todo dia

Rodrigo Aylmer

Ser há

Será que algum ser há
Nessa carne que me leva?
Nessa carne que me treva
É tudo carne,
É tudo a mesma coisa
E Eu ainda não respondi
Porque não sei se há resposta:
Será que algum ser há?

Rodrigo Aylmer

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Santa Verdade

Quem ama depende do outro
Depende do sorriso
Depende do abrigo
Depende do que falta
Depende do que sobra
Dependo dos amigos
Depende da alegria
Depende de todo o dia
Dependo das flores
Depende do que molha
Dependo do que seca
Depende da risada
Dependo da cantata
Dependo dos beliscos
Dependo do seus olhos
Depende do seu jeito
Depende de você
Desprende de você
Dependo do nosso gosto
Depende de nós dois
Dependo de nós dois.

Rodrigo Aylmer

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A nossa Esperança

Hoje me coube a dor de uma verdade mentida, do jeito que é escrito. Conhece elas? Pois é de se esperar, já que são mentidas. Mas mentidas por quê? Por serem verdade. E é por ai que o paradoxo gira, já que verdade e mentira são coisas opostas. Mas o erro é pensar que elas se opoem, por serem opostas. O fato de serem opostas só tornam as coisas mais interessantes. Faz com que a sua coligação torne-se mais dificil, e, porque é dificil, desperta a avidez do cêrebro humano, da sua potridão, do hûmus que insiste em tentar fazer essa terra infértil e improdutiva gerar algum fruto que alegre o paladar dos ouvidos. Mas essa é uma realidade nem sempre vivida, mas sempre observada, já que o mal da humanidade é não enchergar a trave que habita reluzente na frente dos nossos olhos, e que mal vêem.
Peço que não me peçam para dizer do que se trata. Será que posso dizer o que é? Sim, e creio que também devo. Mas a avidez da maldade humana ainda não conseguiu devorar a minha bondade, uma das poucas coisas que restaram em mim da beleza da criação. Por isso, não me pronuncio. Não digo verbo algum que especifique ou entregue o pobre coitado, que era pra ser um braço, mas acabou tornando se uma espécie de tumor, cuja única dor é olhar e ver o erro que ele mesmo escolheu escolher. Digo também que sobre mim uma nuvem de cochichos ecoa, com sons altos e atordoantes, trovões, como em forma de desconsolo e ingratidão. Os meus dois lados trocam tapas e socos e chutes, querendo vencer a luta pelo que seria designada pela palavra "atitude". Minha atitude. No entanto eu creio que nenhuma das minhas duas faces vai ganhar, vão acabar mortas, e o seu sangue, que foi derramado no campo de batalha, escoa, pra dentro da minha memória -que é de onde vieram- e acabam por cair nas minhas veias e artérias, onde se juntam e formam uma mistura homogênea, que enche o meu corpo de cor e melancolia. Ninguém consegue tudo o que quer. E ninguém quer tudo o que consegue. Penso que as vezes o acaso, não, a sorte, não, aquilo que explica o inexplicável, joga ao acaso a sorte (assim chamarei) de uns poucos contados à dedo, aqueles que a vida parece ir muito bem, embora não vai. Mas a sorte se importa com a aparência, assim como todos os seres viventes, assim como o seu igual, assim como o mundo. Afinal, sobrevive o mais apto, não ao ambiente em que se vive, como o frio ou o calor, mas à maldade que paira sobre a superfície da terra desde o dia em que a fome do homem o levou ao fruto que mudou -ou apenas começou- a história do homem. E nem uma maquina poderá reverter o dano já causado, o erro já feito, ou o choro já chorado. Na causa humana, só resta chorar, e esperar que algum dia amanheça diferente, com uma aurora mais amarela, uma esperança mais bela, ou algum milagre para lavar as nossas feridas que nunca saram. Algumas sim, mas sempre deixam rastro, como pegadas na areia, lembranças de algo que doeu, ainda dói, mas um dia doerá menos, e essa é a nossa esperança.

Rodrigo Aylmer

domingo, 2 de setembro de 2012

Pouco Tempo

Não se culpe pelo seu tempo
São os anos que têm poucos dias
E os dias têm poucas horas
E as horas poucos minutos
E os minutos, poucos segundos

As festas, poucos amigos
Os enterros, poucas lágrimas
E as lágrimas, pouco choro
As conversas, poucas palavras
As palavras, poucas letras
As letras, poucos sentidos
As familias, poucos amigos
O céu, poucas estrelas
A dor, poucas mágoas.
Não se culpe pelo seu tempo
É o tempo que tem pouco tempo.

Rodrigo Aylmer