sábado, 24 de março de 2012

Domingo à tarde

    - Seu Osório não era do exército. Ele foi um marinheiro, elegante, nos conhecemos na década de trinta, disse a senhora
    - Mas ele também não quis saber da senhora né, Dona Rose?
    - Sim, mas a mãe dele já era idosa e o pai falecido. Era filho único. Não tinha tempo para ficar de namoricos.
    - Entendo... Faltava dificuldade naquela época né não?-Disse a ingênua ajudante
      Se fez um silêncio mórbido. A senhora fechou os olhos por um instante. Da minha janela não podia dizer o que se passava na mente daquela senhora. Era apenas uma senhora como todas as outras, de cabelos tão alvos que se escondiam no rosto pálido da moça que há muito fora jovem.
    - Vou pegar seu remédio- disse a ajudante. O relógio do meu quarto marcava seis. O por-do-sol apenas deixava um resquício de luz no horizonte enquanto no céu começavam a aparecer as primeiras estrelas.
      A senhora tomou seu remédio.
    - Esse é de quê? Perguntou Dona Rose.
    - Do coração, disse a ajudante. Havia aproveitado a oportunidade de pegar o remédio para acender as luzes da casa, enquanto ambas permaneciam na varanda, em escuridão. O único motivo pelo qual eu ainda podia vê-las era o poste da rua. A lâmpada incandescente deixava sobre elas uma cor amarelada e escura, como antes havia dito.
      E não podia dizer, mas parecia que a senhora ainda estava de olhos fechados. A ajudante mais uma vez a deixara só. Ela estava parada, em sua cadeira de balanço que incrivelmente não rangia. Foi quando abriu seus olhos e virou seu rosto para a direção do poste. Pude claramente vê-lo. Era o rosto de uma jovem, escondido debaixo de anos e rugas, de conquistas e derrotas, de amores e amores. Era o rosto de uma mulher feliz.
      Ela sabia quem ela era. Sabia que tomava remédios, e não poucos, diariamente. Sabia que estava numa idade que nem todos têm a oportunidade de chegar. Sabia que, para ela, a manhã seguinte poderia não vir. Mas era feliz por saber que estava ali, em sua varanda, como de costume nos domingos à tarde. Para ela, não tinha alegria maior.