quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Meu canto

Não tenhas medo,
Se o seu coração titubeia,
Não é erro de cordel,
Nem mal de sangue e veia

Fagulhas doutro bem queimam
Na terra onde um é rei
Criança que esconde a tez,
Não vanguarde o seu poema

Escuta o silêncio do meu choro
Ele te diz, nossa verdade,
É a mesma Dele
Lembra-te
O que ama não desama
O que cria não destrói
Amplia
Pinta
Monta
E exibe com orgulho
A história de borboletas
Que deu o nó nas pontas
Os pingos nos is
Cegou os monstros
Lavou os risos,
E os nossos corações.

Esse é o meu canto
o canto que eu canto,
Em cores nunca pretas.

Nessa água sem lama
Na melodia que se lava em pranto,
O meu canto tem sete letras:
Segredo.

Rodrigo Aylmer

Secura

Espessas certezas de mel
Docemente amarguradas
Que nunca sequem as suas fontes
E sejam profundas as suas marcas

Me finco em ganchos de aço puro
Beirando o medo de perder
O fogo da busca da eterna cura
A chance de em vida o meu sangue verter

Dê-me o prazer de olhá-las eternas
No presente e sempre adiante
Ganhe forças com as minhas rugas
Pinte meu cabelo de branco,
Transparente
Que não faltem águas para te regar
E na sede, beba o meu sangue,
Beba o sangue meu
Que a certeza vive sem o homem,
Mas pensar que vivo sem a certeza,
Não eu.

Rodrigo Aylmer

Vi

Criei um novo mundo meu
Fugi do sonho,
Perdi meus poemas
E ainda mais, mudei para igual

Pensei que era demais
Mas não,
Inda durmo na mesma fronha
Escuto a mesma música tema
Canto o mesmo musical

Depois que fui,
Eu fui
Tentei largar o que era meu
Gritei mais alto que a minha voz
Tropecei no vento
E ri
Caí na piada que eu mesmo contei
A alegria que cabe em nós
Ela eu vou vivendo
E quando eu ver,
Vi.

Rodrigo Aylmer

Comente

Silêncio.
Comente comente,
ou não comente.

Rodrigo Aylmer

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O vaso de vidro

      Quando eu olho pro lado tem esse vaso. De vidro. Transparente. Redondo. Fica ali distante, não alcanço com os meus braços. Não tem nada dentro. Não é nada, na verdade, não tem significado nenhum, é um vaso, ora, um vaso comum. Não tem nada de mais. Mas é estranho. Não tem lado nenhum. E está me olhando. Um vaso me olhando. Me encarando. Perguntei pro meu irmão se parecia que o vaso estava me encarando, mas ele disse que não. Ainda assim, acho que o vaso está me encarando.
      Virei pro lado duas vezes, desvirei, e ele continua me olhando. Por que o vaso está me encarando? Não tem vida, nem cheiro, nem cor tem, é um pedaço de nada, areia derretida e fundida num formato cilíndrico. Poderia até servir pra um propósito, se estivesse com uma flor dentro, um peixe, ou alguma bala. Mas não tem nada. Me pergunto agora porque a empregada colocou ele ali, seco e sem vida, nesse criado-mudo branco sem nada. Só o maldito vaso de vidro que insiste em me encarar.
      Eu já perdi a paciência, e se o vaso tivesse paciência, também já a teria como perdida. Eu não vejo propósito algum nesse vaso. Não tem  motivo de existir. Seria melhor quebrá-lo e jogá-lo fora. Será? Eu vou me cortar. Então deixa ele lá. Talvez o Atlas caia da prateleira e faça esse favor pra mim. O que fazer então com o vaso? Não sei o que se faz com alquilo que não tem propósito. Sei que se fosse gente já estaria na rua pedindo esmola. Mas é um vaso. Vidro. Caco. A única grandeza que ele ocupa é o espaço. O maldito vaso que me tirou a paz da noite. Já vi que estou perdendo meu tempo olhando pro vaso. Perdendo nada, ele que está roubando de mim, meu tempo, meu sono, meu descanso, não aguento mais essa tortura. Acho que vou dormir. Deixa esse vaso quieto. Não serve pra nada mesmo. Quem sabe um dia ele tome vergonha, e vá fazer alguma coisa de útil na vida? Afinal, vida é uma, e tempo passado é tempo perdido. Até para um vaso de vidro.

Rodrigo Aylmer
     

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Matéria abstrata

Esperar,
Esperança.
Consolo dos fracos.

O que é?
De nada vale, pois do nada veio
E se for verdade,
Se é,
Do que é?
Inpalpável
Abstrato
É como a verdade
Cada um tem a sua
Verdade,
Não é mentira.
Acredita, meu filho,
Se apegue a ela
Vocês nunca vão ter nada na vida
Porque no final,
Tudo vira pó,
E do pó, matéria solta.
Tudo acaba em nada
E quando o chega o nada
O nada vira tudo
E vem a esperança,
Que ali mora,
Sempre morou,
Ela vem,
Se prende,
Se funde,
E vira um só,
Pó,
Tudo,
Nada.

Rodrigo Aylmer

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Verbo Conjugado

Vai, pega essa caneta
Começa a escrever seu testamento
Vai, velho,
Como se fosse dar tempo de terminar
Assina no meio,
Deixa o resto que não importa
Lave as suas mãos e parta
Vai embora
Encontra tua felicidade que há muito se foi
E há muito virá de ser
Será?
Ser
Irá, porque esse verbo perdeu o tempo há muito tempo
Há todo tempo, aliás
Não é infinitivo, nem passado, nem futuro
É eterno
Esse é o verbo em que todos se conjugam
Esse é aquele, você, e o outro
Esse somos todos
Eternos,
Reticências do tempo
Ordem divina
De ser,
De estar,
De haver,
Haja o que houver.

Rodrigo Aylmer

sábado, 6 de outubro de 2012

Vai e volta

Amor, não se vá
Sentirei sua falta
Te ver tornou-se vital
Quando tu vais,
Respiro mais devagar
Os meus pulmões se fundem
Drena-se o calor do meu corpo
E nascem escamas em minha pele
Eu viro um reptil,
Sangue frio,
Uma especie de ser inanimado
Que se esquiva de tudo
Que segue o seu caminho
Esperando algum dia o sol luzir
E aquecer meu corpo
Que aliás, meu bem,
Encolhe

Ainda que vás, amor,
E sei que deves,
E queres,
Lembra-te de mim,
Que eu estou esperando,
De peito estufado
Mas de braços abertos.
Quero que vás,
Mas que voltes.

Rodrigo Aylmer