terça-feira, 31 de maio de 2011

Quase Tudo

      Joca morava no beco, centro, do lado da prefeitura. Sua casa era uma caixa de cosméticos, papelão meio rasgado, com alguns lençois roubados de um varal. Não era a primeira vez que chovia e estava ali, ensopado, sonhando seus sonhos, vivendo sua miséria. Estava chovendo muito.
      Sonhava com quase tudo, carros, uma casa de verdade, paz, vida. Joca queria sair dali. Queria ser um menino normal. Sua aparencia era tal ao ponto de terem medo do pobre menino abandonado. Que vergonha! Ninguém pode ver um pouco além? A dor de um que fora abandonado? Não entendem... Seus problemas são uma trave nos seus olhos. Eles apenas não entendem.
      A chuva não cessava. Como se fosse pouco, os céus insistiram em fazer com que ele sofresse mais. Sozinho. Tremia mas do que um ser humano poderia aguentar. E se quiser saber, Joca não era humano. Pelo menos não aos olhos dos que o viam.
    Bem,  não vou complicar mais do que o destino já complicou: Joca morreu. Morreu de frio, naquela mesma noite chuvosa. Quem lê, pensa que Joca morreu da falta de calor no corpo. Não, não foi assim. Joca morreu do frio da alma; da falta de ser alguém, de ter alguém. Não foi a chuva que tirou sua pobre vida, mas sim a solidão, a tristeza de não ter ninguém. Joca era apenas uma criança, que morreu daquilo que mais mata o corpo, a tristeza. Ele morreu de tristeza. Ele só queria ter o que quase todo mundo tem. Então, quando ver Joca na rua, pense duas vezes antes de continuar andando.

Rodrigo Aylmer

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