E ali estava: deitado, esparramado de bruços no chão, como se estivesse escutando alguma coisa. Uma voz. Era isso, estava escutando uma voz. Mas não podia ser, não tinha como ser. Estava estagnado no meio do asfalto, de bruços, sem nenhum sinal de ferida. O trânsito parado, carros buzinando, pessoas gritando com pressa. Imóveis, olhavam para ele como se fosse uma aberração. E ele estava ali, em paz, sem nenhum movimento. Parecia estar bem, até que uma mancha vermelha começou a aparecer no asfalto.
Ninguém tinha coragem de chegar perto.Ninguém fazia nada. Aos poucos, foi-se acumulando gente em volta do senhor deitado no chão, olhando, vendo, como se fosse uma atração de circo. Ninguém se motivava para ajudar. Ninguém levantava um dedo para socorrer o pobre homem. Ninguém fazia nada.
Eu me aproximei para ver de perto. E lá estava. Um senhor de idade, beirando os oitenta, com seu suéter azul e sua calça de veludo marrom, naquela sexta feira de sol. Era um cara simples, pobre. Parecia estar lúcido. Ele queria dizer algo, um sussurro, mas em meio de tantos flashs e de pessoas falando, nada se ouvia. Não sei porque aquilo me incomodou. Pessoas morrem todos os dias, aqui, ali, sempre foi assim e sempre vai ser. Mas aquilo era diferente. Podia até não conhecê-lo, mas eu estava ali. E estando ali, fazia parte dos últimos momentos daquele homem.
É estranho como as coisas acontecem. Os acidentes. Os acasos. A vida mesmo. Ela é uma peça, mas cada vez nos conduz de uma maneira mais desensaiada, imprevisível. Nos leva a fins sem clímax, à um enredo que não sabemos dizer qual. Mas os acidentes, tais não existem. Como já disse, a vida é uma peça, que mesmo sabendo o final, assistimos até o fim, empolgados, achando que será diferente. As escolhas são as mesmas. E tudo se resume nisso. Escolhas.
À medida que o tempo passava, a mancha vermelha aumentava mais em volta do rosto do pobre homem. E ele não podia fazer nada. Ainda estava ali, respirando, suspirando, sofrendo seus últimos minutos, que, mesmo ruins, eram de fama. Não sei o que ele pensava naquele instante. Devia estar pensando na manchete do dia seguinte: idoso morre atropelado em plena luz do dia no bairro de São Francisco. Não sei se era um daqueles momentos em que toda a sua vida passa diante dos seus olhos. Eu só sei que lentamente escorreu uma lágrima no rosto daquele homem. Uma lágrima de dor e de saudade. Ele sabia o que estava acontecendo. Com muito esforço, franziu a testa em expressão de sofrimento . O tempo era curto. Ele tinha que ir. Não podia mais dizer nada. A ambulância chegou sem pressa e o levou. O alto som da sirene me incomodava os ouvidos.
Rodrigo Aylmer
Nenhum comentário:
Postar um comentário