terça-feira, 21 de junho de 2011

Gotas de Sangue

      E o sangue escorreu. Não posso dizer que jorrou porque não o foi . Foi escorrendo. Gotejando. Lento. Quase inacabável. O sofrimento era tanto que ela não podia aguentar. Ninguém podia aguentar. Ninguém podia.
      Mas como então ela estava ali, de pé, plantada no chão,resistindo, suportando quase imóvel, sem reagir? Não se sabe. O que se sabe é que nenhum zumbido era escutado, nem aqui e nem em nenhum canto do mundo. Ela se mantinha muda. Apesar de saber que a morte seria agora a sua única companhia, ela se mantinha muda. Ela era muda.
      E naquele momento de dores finais, lembrava-se de todos os seus outonos, dos amores que havia germinado, da vida que deu em sua casa. Lembrava-se também das cores que era. Quantas cores! Era um exemplo. Era um apoio para muitos. Nunca vi deixar de apoiar um
que precisava. E, assim como qualquer cidadã normal, queria que tudo fosse infinito. Que a glória fosse infinita. Mas nunca deixou se iludir. Seguiu conforme alguém de caráter segue. E isso não bastou para poupar a sua morte. Nunca basta.
      A essa hora, ela já se foi. Não está mais entre nós. E nem enterro ela pode ter. Não quiseram que tivesse. Seus parentes nada puderam fazer. Estavam chocados e imóveis, assim como ela. E assim como ela, deixaram de ser. O seu sangue escorreu. Foi morta para dar vasão a um prédio novo, e jogada em um caminhão, já avivada. O seu sangue escorreu. Pelo caminho, a sua última marca na terra, no asfalto cinzento. Gotas de sangue.


Rodrigo Aylmer

Nenhum comentário:

Postar um comentário